Receber um diagnóstico de uma doença grave, por si só,
já gera medo, angústia, stress, raiva, insegurança, tensão, e tantas outras
reações, algumas difíceis de serem explicadas com palavras. Também os
familiares, ao verem que um ser amado adoeceu, reagem à sua maneira, com raiva,
angústia, medos, negação, enfim, apresentam, igualmente, sintomas, sejam físicos,
sejam emocionais.
A angústia, a ansiedade que acompanham uma doença
como, por exemplo, o câncer, começa bem antes do diagnóstico... Sintomas,
exames, testes, muitas vezes, o processo para conseguir diagnosticar “qual é o
problema”, por si só, já gera stress. Mas a resposta chega. E, por mais dura
que seja a realidade da doença, com o diagnóstico, chega o tratamento, a “saída”,
a possível solução. E o renascer da esperança.
Como se não bastasse, porém, durante o tratamento, o paciente deverá
enfrentar, além das mudanças ditas “normais” na rotina, na sua vida (e na dos
familiares mais próximos) em geral, os efeitos do desenvolver da doença e do próprio
tratamento.
Cirurgia, radioterapia, quimioterapia,
hormonioterapia. Efeitos colaterais. Efeitos estes que são muito individuais,
e, embora exista um “elenco” de efeitos esperados, estes podem varias de
paciente para paciente. Muitos destes
efeitos, no entanto, podem ser “encarados de frente”, enfrentados, minimizados.
Mas mais uma vez repito: vai depender de cada indivíduo, de cada organismo, de
uma série de fatores combinados, lembrando que, a doença, geralmente, possui
aspectos biopsicossociais, espirituais.
O paciente e seus familiares tentam, conforme lhes foi
recomendado, ou pelo médico, ou pela psicóloga, ou até por aquele amigo mais
chegado, viver a vida “ o mais normal possível, sem mudar tanto a rotina do
dia a dia. E chega a hora das refeições.
Hora de comer, e o paciente não tem fome! Ele
simplesmente não consegue comer! E agora, o que fazer?
O ato de alimentar-se, na nossa sociedade, é associado
à questões ligadas ao prazer e à satisfação no mais amplo dos sentidos. Basta
notar como, até hoje, mães que não conseguem, por um motivo ou outro, amamentar
seus filhos no seio, sentem-se, muitas vezes, incompletas, culpadas, não boas
“o suficiente”. (Esta teoria, na verdade,
já caiu por terra há muito tempo, mas infelizmente muitas a introjetaram de tal
forma, que seguem sofrendo no seu interior)
A comida e, mais ainda, o alimentar-se, tem a ver não
apenas com satisfazer de uma necessidade biológica, mas também (e especialmente
com) uma função afetiva e social.
Afetiva, como a mãe que alimenta o bebe, como uma
troca de carinhos, de cuidados...
Social, bem, basta considerarmos o fato de, muitas
vezes, escolhermos bares ou restaurantes para os nossos encontros, sejam estes
encontros de trabalho, com amigos, ou quando queremos surpreender alguém. (Quem
recusaria um convite para jantar em um bom restaurante?)
Voltando então ao nosso paciente. Lhe falta o apetite,
ele não tem a mínima vontade de se alimentar. E o familiar? O familiar, ansioso
e angustiado com aquela situação, sentindo-se “com as mãos atadas”, por não poder
fazer “algo mais” para o paciente, tende a, como uma mãe, repleta de boas
intenções, mas nem sempre completamente ciente dos seus atos, insistir para que
ele se alimente. E, o que acontece?
O apetite do paciente e a sua vontade de comer não é
que voltam miraculosamente!
Insistir para que o paciente se alimente, talvez não
seja a melhor solução. Isto pode acabar por aumentar ainda mais a angústia e o
stress, seja dele, seja do familiar que, não vendo uma “mudança concreta” do
ato de se alimentar, sente-se ainda mais impotente diante da situação.
O ato de
“insistir”, pode gerar ainda mais angústia, tanto no paciente que, sob pressão,
pode inclusive vir a ter reações de raiva, descontrole, choro ou até reatância, ou seja, se antes comia um pouco,
a partir daí, simplesmente se negar a se alimentar. Outras reações à pressão sofrida podem ser a caráter psicológico, refletidas no físico, como aumento de náuseas, mal-estar, vômitos, sem falar em insônia, nervosismo e agitação.
E o familiar? Sim, não podemos esquecer do familiar!
Tudo isto pode aumentar ainda mais a sua ansiedade, a sua insegurança e a sua
sensação de “inutilidade”. “Não sei o que fazer para ajudar!” Mas então, como administrar esta situação?
Antes de mais nada, do ponto de vista nutricional, é
importante uma boa avaliação com uma nutricionista oncológica, afim de receber orientações adequadas sobre como adequar a alimentação do paciente e, se necessário, fazer uso de suplementos alimentares específicos.
Do ponto de vista emocional, precisa, primeiramente,
se dar conta de que as funções dadas ao “alimentar-se” foram simbolicamente
representadas pela comida, mas podem muito bem ser substituídas, ou administradas
de um modo diverso. O “afeto”, por
exemplo, não está no ato de “limpar o prato”, mas na troca de carinho, no
contato olho no olho, na simples presença. Mais do que ser pressionado para
comer, talvez o que possa aumentar, não digo tanto o apetite, mas a “vontade”
de se alimentar seja poder estimular não apenas a “fome”, mas todos os
sentidos! Uma mesa bem arrumada, elegante, com enfeites, pequenos detalhes...
Um prato bem colorido, apetitoso, daqueles que a gente “come com os olhos”...
Se possível, decorado, e feito com os ingredientes mais importantes: carinho e
amor. Quem sabe uma música suave de fundo. Todos à mesa juntos, televisão
DESLIGADA!! Buscar formas de estimular a visão, o olfato, a audição, o
paladar... Que tal sugerir ao paciente simplesmente tentar saborear as coisas?
E, com ele, tentar achar novos temperos, novas combinações, novos sabores?
(Muitas vezes a medicação altera o gosto dos alimentos e, vamos combinar, carne
com gosto de metal não deve ser lá essas coisas!)
O momento da refeição pode (e deve) ser também um
momento de trocas, de afeto, de socialização. Eu arriscaria a dizer que a
“comida” ali não é a causa, mas a consequência! Vimos como “causa” como se,
para estarmos juntos, precisássemos de uma “desculpa”. Na verdade, porém,
talvez o mais importante destes momentos sejam exatamente as trocas. De afeto,
de ideias, de conhecimentos, enfim...
Mesmo que o paciente não tenha fome, é importante que
ele esteja presente, e participe destes momentos. Sentar à mesa, todos juntos. Beliscar uma ou
outra coisinha. Ousar, arriscar. Se não der, tudo bem. Nada de insistir demais,
pois, como visto anteriormente, isto pode acabar piorando a situação.
Conversar. Sobre a vida, sobre as coisas, sobre o que vai bem, o que melhorou,
enfim, esquecer um pouco dos problemas, da doença, do sofrimento, da dor...
Ajudar o paciente a sentir-se, ainda, não um paciente, uma pessoa doente, mas
um ser humano. Uma pessoa simplesmente. Com medos, inseguranças, mas também com
sonhos, esperanças, e com uma VIDA que vai além, muito além do seu diagnóstico!
E os familiares? Estes poderão se tranquilizar de que
fizeram, de que estao fazendo a sua parte. Sem cobranças, sem angústias
“extras”, sem stress... reconhecendo os limites do paciente, mas também (e
especialmente) as próprias limitações.
Psicóloga
Especialista em Psico-Oncologia
Especialista em Cuidados Paliativos
Marian de Souza