Quando descoberto, o câncer causa um misto de emoções:
indignação, raiva, revolta, medo...No entanto, um sentimento se sobrepõe aos
demais: esperança, com ela, a vontade de sobreviver. E esse desejo leva muitas
pessoas a procurarem tratamentos não convencionais, como aqueles à base de
plantas ou religiosos. Fundador da
empresa de tecnologia Apple, o empresário Steve Jobs foi um dos que retardaram
a cirurgia do câncer de pâncreas para aderir a um tratamento com ervas, o que
agravou seu quadro. O vale-tudo pela cura do câncer apregoa o poder curativo de
substâncias naturais livremente, tanto por meio de cartazes colados em postes
quanto pela internet, e dá falsas esperanças para quem precisa enfrentar a doença.
Estimativa da American Society of
Clinical Oncology (Asco) mostra que cerca de 80% dos pacientes com neoplasias
recorrem, em algum momento, ao tratamento alternativo. O chefe do Serviço de
Oncologia Clínica do INCA, Daniel Herchenhorn, adverte: “Não há nenhum indício
de que esses tratamentos contribuam para a regressão ou a cura do câncer”. Professor do Departamento de
Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e
coordenador da Oncologia Cirúrgica do Hospital São José (SP), o cirurgião
torácico Riad Younes diz que tem visto diversos ‘Srs. e Sras. Jobs’. “São
muitos os exemplos de pacientes que, infelizmente, postergam tratamentos
eficientes, para fazer cirurgia espiritual ou outro método sem comprovação
científica, e, quando retornam, a doença não é mais operável, o tumor já se espalhou e a chance de cura diminui”, alerta. O
interesse de doentes por tratamentos naturais levou o médico a fazer um
levantamento com 3 mil pacientes
oncológicos para saber quantos utilizavam chás, ervas e florais na busca pela
cura da doença. “Quase metade dos pacientes procura e usa algum tratamento não
convencional durante a evolução do câncer”,
afirma Younes, que revelou ainda que 48% dos entrevistados usam pelo menos um
outro tipo de terapia paralelamente à quimioterapia. Apesar de o estudo ter
sido feito há quase 15 anos, Younes acredita que ele evidencia o impacto das terapias
alternativas – que prefere chamar de “não convencionais” – nos pacientes com
câncer.
Promessas Virtuais
Chá de
babosa, limão, cebola, avelós, bicarbonato de sódio e folha de graviola. São
variados os e-mails que circulam atribuindo ao poder de plantas e outras
substâncias naturais a cura do câncer. Blogs e sites oferecem livremente esses
produtos. Para sustentar a tese de cura, as mensagens têm forte apelo religioso,
trazem depoimento de pessoas que teriam ficado sãs usando os produtos, atribuem
a explicação do poder curativo a cientistas e dizem até que o tratamento é
aprovado pelo Ministério da Saúde ou algum instituto internacional. Mas o
presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Anderson Arantes
Silvestrini, alerta: “Não existem evidências científicas que comprovem a
eficácia dessas terapias. A SBOC é contra seu uso, pois desconhecemos se podem
interferir nos resultados das terapias-padrão. Muitas dessas substâncias são
metabolizadas no fígado e podem alterar a absorção de quimioterápicos, bem como
sua eficácia e eliminação.” Chefe do
Serviço de Oncologia do Hospital São Vicente de Paulo (RJ), o médico Décio
Lerner também reforça o perigo dos tratamentos sem comprovação científica.
“Além de não trazerem nenhum benefício, podem ser danosos ao fígado.” O
oncologista André Deeke Sasse, professor de pós-graduação da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade estadual
de campinas (Unicamp), em São Paulo, afirma que a receita que mistura chá de babosa
com bebida destilada é prejudicial. “A
babosa pode causar inflamação das mucosas, diarreia e outros problemas
gastrointestinais. O álcool compromete a função hepática e pode interferir
no metabolismo de vários medicamentos, entre eles os quimioterápicos e hormonais”,
aponta Sasse, que coordena o Centro de Evidências em Oncologia (Cevon) da Unicamp.
Sobre a afirmação de que o bicarbonato de sódio e a folha de graviola tenham
poder curativo 10 mil vezes superior ao da quimioterapia, Sasse assegura que é
falsa. Ele enfatiza que a administração de bicarbonato em excesso pode causar
alcalose metabólica iatrogênica (aumento do pH do organismo), o que pode levar
a confusão mental, enjoos, náuseas e vômitos, muitas vezes acompanhados de
espasmos musculares e inchaço no rosto ou nas extremidades. “O pH fisiológico é
fundamental para o desenvolvimento das
funções
do organismo, incluindo imunidade, respiração, celular e transporte de
nutrientes”, sublinha.
O
coordenador do Cevon afirma que apenas estudos clínicos podem levar qualquer
substância, natural ou sintética, a ser incorporada como medicamento
convencional. Embora os oncologistas concordem que chás naturais não trazem
nenhum benefício antineoplásico, além de serem tóxicos, ainda é vasto o relato
de médicos cujos pacientes aderiram a métodos não convencionais e prejudicaram
a saúde. Lerner se lembra de um paciente que, apesar de manter a doença estável,
optou por parar o tratamento convencional e iniciar um alternativo. “Quando
retornou ao tratamento convencional, a doença já estava bastante avançada e não
teve mais resposta”, lamenta.
Sasse
ressalta que há uma mística popular de que o que é natural pode até não fazer
bem, mas mal também não faz. Mas a história de sua paciente é diferente. Com
câncer de mama, ela inicialmente recusou a cirurgia ou outra forma de
tratamento. “Com o uso de fitoterápicos, homeopáticos e mudanças de hábitos
alimentares, ela esperava não só controlar, mas curar a doença. Mas não houve
benefício; pelo contrário”, depõe o médico. Younes tem um relato similar. Ele
acompanhava e controlava o tumor de um paciente com exames e pôde ver a progressão
da doença quando a quimioterapia e a radioterapia foram trocadas por uma terapia
não convencional. Quando o paciente voltou ao consultório, o tumor havia
crescido e se espalhado. O professor da
USP é taxativo : “Natural não significa bom! A maconha é uma planta, o tabaco é
uma planta, e nem por isso são isentos de prejuízos graves à saúde. Muitos chás
e ervas vendidas como curas naturais do câncer podem ter efeitos colaterais, pequenos,
graves e até fatais.” Para evitar comportamentos como esses, Herchenhorn é da
opinião de que a relação médico-paciente deve ser de confiança e transparência.
Ele diz que conversa abertamente com seus pacientes sobre o uso de suplementos
alimentares ou paralelo de fitoterápicos, discute benefícios e aborda estudos e
comprovações científicas. “A decisão é sempre do paciente. Os médicos devem ter
mente aberta para ouvir seus pacientes e recomendar aquilo que é melhor,
baseado em evidências científicas e no melhor bom senso que rege a prática médica”,
defende.
Fonte: www.inca.gov.br
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